Apichatpong Weerasethakul entende perfeitamente quando o espectador cai no sono diante de seus filmes - geralmente obras de estrutura não linear que evocam memórias e sonhos. Como o próprio diretor tailandês confessa dormir no cinema (vendo os seus trabalhos e os dos outros também), ele desenvolveu um projeto para encorajar a plateia a tirar uma soneca durante a projeção de imagens. E sem que ninguém precise se envergonhar disso.
Sleep Cinema Hotel é uma experiência imersiva que ele criou exclusivamente para o público desta 47ª edição do Festival Internacional de Cinema de Roterdã - em andamento até domingo, dia 4. Localizado no World Trade Center da cidade holandesa, o projeto consiste em um hotel temporário instalado no terceiro andar do prédio, que foi adaptado como se fosse uma grande sala de cinema.
Um dormitório foi montado diante de uma tela circular onde são apresentadas, ininterruptamente, as imagens escolhidas por Joe (apelido que o diretor adotou após estudar cinema na School of the Art Institute, de Chicago). O cinéfilo paga 75 euros por uma cama de solteiro e 150 euros por uma de casal (com direito a chuveiro, produtos de higiene pessoal e café da manhã), para acompanhar a compilação de cenas, que nunca se repetem.
Embora não exista nenhum trecho de obra do diretor na montagem, as cenas resgatam o imaginário de Joe, trazendo paisagens com água, ondas e nuvens, além de animais sonolentos e pessoas dormindo. Praticamente todos as produções assinadas pelo cineasta trazem personagens adormecendo ou despertando em algum ponto da trama - pelo seu interesse no “estado liminar entre acordar e dormir”.
“O projeto é resultado da minha fascinação pelo cinema que nós mesmos produzimos na mente quando sonhamos. O que fiz aqui foi apenas selecionar imagens que podem não só instigar o sono, mas penetrar no nosso inconsciente enquanto adormecemos”, diz o cineasta de 47 anos, também formado em arquitetura na Khon Kaen University, na Tailândia. Além de dirigir filmes, ele faz esculturas e realiza instalações - que já passaram pelo Musée d’Art Moderne de Paris, pelo New Museum de Nova York, pelo Hans der Kunst de Munique. A exposição centrada no filme “Hotel Mekong”, de 2012, circulou pelo Brasil, em 2013, com a presença de Joe.
“Para mim, é a realização de um sonho ter um cinema para dormir. Sempre adormeço ver os meus filmes, não importando onde eu esteja”, conta, rindo. Mesmo no Festival de Cinema de Cannes, que o consagrou com a Palma de Ouro de 2010, com “Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas”. “É sempre a mesma coisa. Passo pelo tapete vermelho, me acomodo na poltrona e, cinco ou dez minutos depois, já caí no sono. Só acordo com os aplausos ou as vaias, no final da sessão”, afirma o diretor, também conhecido pelas obras “Eternamente Sua” (2002), “Mal dos Trópicos” (2004) e “Cemitério de Esplendor” (2015).
O Sleep Cinema Hotel de Joe também está aberto à visitação - não sendo um privilégio de quem passa a noite lá e, no momento do check out, é convidado a escrever em livro o sonho que teve. Dá para assistir às imagens selecionadas pelo cineasta de um balcão criado para receber uma pequena plateia - aberto ao público das 16h às 22h, com entrada gratuita. O repertório iconográfico é resultado de parceria do diretor com o EYE Filmmuseum e o Netherlands Institute for Sound and Vision. “Eu mesmo adoraria me hospedar lá, mas não consegui. Não há mais vagas”, conta Joe.